Comissão de Direitos Humanos solicita reunião com Polícia Civil sobre caso do motoboy Everton da Silva
A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa retomou os trabalhos nesta quarta-feira (21/02) e recebeu presencialmente o motoboy Everton da Silva, que no dia 17 de fevereiro foi detido pela Brigada Militar e tratado como criminoso mesmo tendo sido vítima de uma tentativa de homicídio no bairro Rio Branco, em Porto Alegre.
21 fev 2024, 12:50 Tempo de leitura: 5 minutos, 5 segundosA Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa retomou os trabalhos nesta quarta-feira (21/02) e recebeu presencialmente o motoboy Everton da Silva, que no dia 17 de fevereiro foi detido pela Brigada Militar e tratado como criminoso mesmo tendo sido vítima de uma tentativa de homicídio no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. Após ouvir o relato dele e de uma série de autoridades sobre o tema, a Comissão decidiu que encaminhará um oficio à Polícia Civil solicitando uma reunião, entre outros encaminhamentos.
O caso ganhou repercussão nacional graças às imagens registradas e motivou acusações de racismo contra a atuação da Brigada Militar, já que o tratamento dado a Everton, um trabalhador negro, foi bem diferente do dispensado a seu agressor, Sérgio Camargo Kupstaitis, homem branco morador do bairro Rio Branco. Enquanto Everton foi detido imediatamente e colocado em um camburão, Sérgio teve permissão dos policiais para subir em seu apartamento, guardar a faca com a qual atacou Everton, trocar de roupa e ser conduzido de forma não violenta até a delegacia. Uma das imagens registradas demonstra Everton sendo detido pela BM enquanto Sérgio conversava, sorridente, com uma policial.
A Comissão de Direitos Humanos busca uma reunião com a Polícia Civil para entender por que Everton foi indiciado por lesão corporal, quando na verdade foi Sérgio quem tentou lhe agredir. A defesa do motoboy ainda reivindica que Sérgio seja indicado por tentativa de homicídio, e não por lesão corporal.
A reunião desta quarta-feira contou com a participação de deputados estaduais, representações dos conselhos estadual e federal de Direitos Humanos, além da secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênio.
Em seu relato, Everton contou que estava sentado em um banco na calçada, com a cabeça para baixo, olhando seu celular a espera de que aparecesse algum trabalho de entrega para realizar. “Neste momento, o senhor que reside do outro lado da rua apareceu do nada e meu um punhalada com uma arma branca no pescoço. Se eu não me retorcesse para o lado, seria grave e eu não estaria aqui hoje para conversar com vocês”, contou.
Deputados cobram Brigada Militar e defendem medidas antirracistas
Integrante titular da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, a deputada Luciana Genro considera que o caso é uma expressão do racismo estrutural introjetado na sociedade que, por ser naturalizado por boa parte da população, não é reconhecido por quem o pratica. “Se conversarmos com esses policiais, eles vão dizer que não são racistas e que não têm preconceito de cor. Mas agiram instintivamente de forma racista. E esse é o principal problema, essa mentalidade introjetada, essa naturalidade com que se encara uma pessoa negra como uma pessoa identificada com crime e a violência”, pontuou.
Para a parlamentar, “o racismo não é apenas uma intenção deliberada de discriminar alguém pela cor da pele, é uma ação que nós, pessoas brancas, performamos que discrimina sem que nós nos demos conta na maioria das vezes”. Ela defendeu que a conduta dos policiais envolvidos no caso seja apurada e punida, mas reforçou que o problema precisa ser combatido com iniciativas de educação antirracista em todas as instituições.
Luciana Genro também ressaltou a necessidade de se adotar, no Rio Grande do Sul, a instalação de câmeras em uniformes policiais. A deputada é autora do PL 85/2023, que prevê essa medida, e também realizou, no dia 1ª de fevereiro, um pedido à Mesa Diretora da Assembleia Legislativa para criação de uma Comissão de Representação Externa com o objetivo de avaliar a implementação das câmeras em uniformes de policiais do estado. “Esse caso veio à tona graças a pessoas que filmaram. Precisamos acelerar o processo de implantação das câmeras nos policiais e precisamos que esse processo seja materializado em lei. Queremos que o projeto sirva para que essa política que o governo Leite tem a intenção de promover, e que ainda não se tornou realidade, não seja só um piloto usado em determinadas abordagens decididas pelo Comando da Brigada Militar. Queremos que os acessos às imagens seja regulado em lei e que isso seja uma política permanente de estado e não de governo e que ocorra em todos os batalhões”, defendeu.
Membro da bancada negra, o deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) disse que o que ocorreu com Everton é uma situação recorrente com toda a comunidade negra no RS. O parlamentar recordou que ele próprio já foi detido duas vezes ao solicitar ajuda à polícia. “A primeira vez aconteceu quando eu tinha 16 anos e fui roubado na saída do colégio. Pedi ajuda ao policial e ele achou que eu tinha cometido o crime e me prendeu”, relatou.
Matheus ressaltou a necessidade medidas de reparação a Everton, questionou os protocolos de atuação da Brigada Militar em casos como esse e cobrou um pedido de desculpas por parte da corporação. “A instituição não admite o erro, mas nenhuma instituição está acima da crítica. Um pedido de desculpas seria importante até para restabelecer a confiança da própria população no trabalho da Brigada”, disse o deputado. Ele ainda colocou a necessidade de se criar uma ouvidoria independente de segurança pública no estado, com um ouvidor indicado pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos.
Presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, a deputada Laura Sito (PT), também integrante da bancada negra, resgatou os dados de um relatório do escritório da ONU sobre segurança pública, que revela, que “79% das abordagens policiais da Região Metropolitana de Porto Alegre são sobre homens, negros, jovens, tatuados, com boné”. Para ela, “Isso significa alguma coisa, afinal nós, pessoas negras, somos 20% da população dessa região, mas 79% dos abordados”.