Cachoeirinha: Uma análise dos primeiros dias de governo Cristian II (MDB) e como chegamos até aqui?

Por Lucas Cardoso

28 jan 2025, 15:48 Tempo de leitura: 9 minutos, 1 segundo
Cachoeirinha: Uma análise dos primeiros dias de governo Cristian II (MDB) e como chegamos até aqui?

Por Lucas Cardoso – Sociólogo, Presidente do PSOL Cachoeirinha/RS e assessor parlamentar da dep. Estadual Luciana Genro.

Para podermos analisar o governo Cristian é preciso que olhemos de onde ele surge e qual a trajetória que o consagra como prefeito reeleito com 70% dos votos em uma cidade que tem muitos problemas, escândalos de corrupção e uma população pouco satisfeita com o retorno que o poder público apresenta.

Em 2016 Crisitian (PMDB) é eleito pela primeira vez com 1.214 votos. Neste mesmo ano, chega ao poder executivo o então prefeito Miki Breier e seu vice, Maurício Medeiros numa chapa PSB/MDB e uma câmara 100% governista, onde a oposição de esquerda (PSOL, PT, PCdoB e REDE) não conseguiram eleger nenhum representante.

Já em 2020, Cristian é reeleito, agora com 1.718 votos, sendo o segundo mais votado do pleito, perdendo apenas para David Almansa (PT) que com 1.803 votos foi o mais votado, e também conseguiu o feito de retomar a cadeira do partido dos trabalhadores na câmara municipal e se tornou o representante da esquerda no legislativo. Neste mesmo ano, Miki e Maurício também foram reeleitos, porém agora teriam oposição.

Com uma câmara de vereadores bastante dividida, dois vereadores se colocaram como candidatos à presidente, um era o próprio Cristian (MDB) sendo o candidato oficial do governo Miki e por outro lado, Xavier (PSD) que também era base do governo, porém não era o candidato oficial, este inclusive ganhou o voto do vereador de oposição. Cristian se elegeu por diferença de um voto: O do então vereador Juca (PSD) que na época estava afastado e preso por supostamente ser envolvido com o tráfico de drogas e ter usado dinheiro da atividade ilegal na sua eleição.

Alguns meses depois se abriu o processo de impeachment do prefeito Miki por crimes de corrupção, no legislativo, o processo foi arquivado, porém no judiciário foi definido que a chapa Miki e Maurício precisava ser cassada e que deveria haver novas eleições. Cristian então assume como prefeito interino.

Em 2022 temos eleições suplementares, onde 3 chapas disputaram o governo da cidade. A chapa governista encabeçada por Cristian e por delegado João Paulo (MDB/PP), a chapa da oposição de esquerda encabeçada por Almansa e Ester (PT/PSOL) com a unidade histórica da oposição de esquerda (PSOL, PT, PCdoB, Rede e PV) e a chapa de oposição de direita encabeçada por Rubinho e Jack (União Brasil e Cidadania) que contou com partidos como PL, PTB, e PATRIOTA. A eleição então se definiu por Cristian 51% dos votos, Almansa 26% e Rubinho 23%. Elegendo assim pela primeira vez Cristian para o comando da cidade.

Já em 2024, a chapa governista se manteve intacta, já as chapas de oposição acabaram se fundindo (com exceção do PSOL que ficou independente, mas declarando apoio crítico à chapa de Almansa e do PL que ficou independente mas declarou apoio crítico à chapa de Cristian. Além dos extintos PTB e Patriota) e também a incorporação de partidos que outrora fizeram parte do governo Miki como PSB, Solidariedade e também o recentemente reorganizado PSDB de Eduardo Leite.

A chapa Cristian e Delegado obteve uma expressiva votação contra a chapa Almansa e Rubinho (PT/PSDB) foi 71% dos votos contra 28%. Ou seja, o governo entendeu que uma expressiva parcela da população de Cachoeirinha chancela seus atos e entende que deve “Radicalizar” seu governo que agora conta inclusive com a extrema direita (PL), na sua base de apoio.

A partir desse último parágrafo podemos trazer elementos que exemplificam essa “radicalização” do governo. Logo após as eleições, o governo já enviou para a câmara o PL 4991/2024 que prevê dispositivos que dificultam a eleição direta de diretores das escolas municipais, abrindo um grande espaço para as indicações políticas para os comandos escolares. Não seria diferente, pois o governo também se elegeu na base de promessas de cargos para amigos e os 15 vereadores da base e partidos aliados também querem seus espaços prometidos.

Obviamente o governo escolheria atender seus conchavos políticos ao invés de priorizar a democracia escolar e por consequência a qualidade na educação, com profissionais respeitados e sem o rabo preso com a administração.

Já na área ambiental, o todo poderoso André Lima, presidente do MDB em Cachoeirinha, assessor especial do prefeito e presidente do Conselho municipal do plano diretor, declarou à intenção do governo municipal em zonear o “Mato do Júlio” (transformar grande parte em área residencial e comercial), desencadeando assim, forte rejeição de ambientalistas, lideranças comunitárias e partidárias, dos vereadores da oposição, dos moradores do bairro Parque da Matriz que faz divisa com o mato e de grande parte da população em geral, resultando no abraço simbólico nos final de dezembro/2024.

Na área da reconstrução de Cachoeirinha, cidade afetada Pela enchente de maio de 2024, até o momento a prefeitura ainda não entregou nada do previsto do plano de prevenção como: A reforma das duas casas de bombas, a construção da terceira casa de bombas no parque da Matriz, a isenção do IPTU para moradores afetados pela enchente, o plano de construção do dique na costa dos bairros Vila da Paz e Jardim Conquista. Assim como, só agora, após 8 meses das enchentes e de um pedido de providências da deputada Luciana Genro, que o governo começou a limpeza dos bueiros dos bairros atingidos pela enchente.

Na área da infraestrutura, vemos o drama e caos do arroio passinhos na Av. Telmo Silveira Dorneles, onde há anos o asfalto vem cedendo para dentro do arroio, colocando em perigo pedestres e veículos que passam por ali, inclusive os moradores tem medo que as casas começam a estragar devido a este problema. A prefeitura vai empurrando com a barriga, fazendo pequenos reparos que não adianta muita coisa, apenas desperdiça dinheiro público.

Ainda na educação, na última quinta-feira (23/01), o governo enviou para a câmara o PL 5012 que prevê a contratação de 241 professores e mais 25 professoras de educação infantil (as ainda erroneamente chamadas de atendente de educação infantil). Ignorando que há um concurso com banca ativa até 2026 e com mais de 1.300 profissionais aguardando nomeação, o governo mente que não há essa fila. Ainda no ataque à educação a ao serviço público, excluiu o sindicato dos municipários da comissão que debate sobre o RCS (regime de complemento suplementar), um dispositivo que permite aumentar a carga horária de professores em situação emergencial como por exemplo a falta de professores para iniciar o ano letivo, e que o SIMCA participa desde 2005, mais uma alternativa ao contrato temporário que o governo ignorou. Mais uma vez, a tentativa é de acomodar seus aliados políticos, minar a liberdade de organização e manifestação dos professores e a oposição ao governo no serviço público.

O prefeito já em 2025 obteve uma vitória na justiça, pois o ministério público entendeu que o prefeito não tinha nada a ver com o escândalo das cestas básicas doadas nas enchentes, cujo o preço de um item como 1kg de açúcar, estava valendo R$ 27,00. A culpa desse escândalo recaiu sobre as costas de um CC que hoje não faz mais parte dos quadros da prefeitura.

COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI?

Se a população não vê retorno da atual administração, Cachoeirinha tem diversos problemas e volta e meia está nas páginas policiais, como a chapa do governo se elegeu com 71% dos votos? A resposta para essa pergunta não é simples e não é apenas um fator ou dois, mas sim vários que tentam explicar.

O primeiro fator que podemos pensar é o cenário de estagnação que Cristian pegou a cidade depois de 2 anos turbulentos por causa do processo de impeachment de Miki (PSB), serviços básicos como zeladoria, pavimentação, etc, não existiam. Cristian assume e mesmo de forma interina, começa a fazer entregas, mesmo que muito básicas. Além disso, incorporou a personalidade do prefeito “que põe a mão na massa” que fiscaliza as obras pessoalmente e come churrasco com os moradores, “gente da gente”.

Já o segundo fator, é a proximidade com o eleitor de Cachoeirinha que é conservador, cristão e que deu vitória à Bolsonaro no primeiro e segundo turno da eleição de 2022. Além disso, os partidos e vereadores que fazem parte de sua base, são os políticos mais tradicionais da cidade, que fazem dos bairros redutos eleitorais e trabalham de forma meramente eleitoreira, sem debater a fundo os problemas e as suas causas.

O terceiro e último mas não menos importante fator, é o erro de parte da oposição, de ampliar a aliança para setores do centrão

(Cidadania/PSDB/PSB/SOLIDARIEDADE)

e para setores da direita (União Brasil e o vice, Rubinho, que outrora era o candidato do Bolsonaro em Cachoeirinha). Isso descaracterizou uma construção pela esquerda que era feito há algum tempo, muitos eleitores identificados com a esquerda e com um projeto de mudança e novidade não votaram pois se decepcionaram, enxergaram “mais do mesmo”, assim como a juventude, eleitores históricos da esquerda.

Obviamente não foram apenas esses fatores. Poderíamos citar a desigualdade econômica entre as chapas e a indústria das fake News, por exemplo. Porém estes seriam assuntos para um outro texto.

A conclusão dessa análise se dá por um governo forte, com a ampla maioria na câmara (15×2), com uma boa imagem perante a população, muito ligado aos grupos evangélicos e tradicionais da cidade. Em uma Cachoeirinha onde não existe associações de moradores que faça o embate, grêmios estudantis organizados e independentes, onde os sindicatos estão muito enfraquecidos e desmobilizados, além de partidos de oposição incipientes com pouca representatividade e movimentos sociais ainda em ascensão.

Há um grande campo para que o PSOL em especial se construa e se consolide, de forma independente, fiscalizadora, ao lado do povo e das suas demandas, se enraizando nos bairros da cidade, dialogando com a população, cobrando o governo, escancarando seu modus operandi e os erros que cometem, assim como, fazendo unidade de ação com os demais atores da oposição quando necessário, mas trabalhando pelo protagonismo do PSOL e de um projeto de esquerda para Cachoeirinha.