Nota do Coletivo Alicerce sobre a cassação do vereador Gilvani “o Gringo”
Coerência e responsabilidade são valores de que não abrimos mão.
24 dez 2025, 11:05 Tempo de leitura: 6 minutos, 37 segundos
O Coletivo Alicerce vem a público se manifestar a respeito da votação relativa à cassação do vereador Gilvani Dall Oglio, conhecido como “O Gringo”, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Foram 26 votos pela perda do mandato, três contra (todos do seu partido, o Republicanos) e quatro abstenções, todas de parlamentares do PSOL.
Diante do espanto com o posicionamento dos parlamentares do PSOL, partido que fazemos parte e ajudamos a construir, com a consciência tranquila, a certeza de que tomamos a decisão correta e o orgulho de nossa atuação, ressaltamos nosso compromisso com a transparência, a veracidade dos fatos, a democracia e os interesses do povo trabalhador, tanto no exercício de nossos mandatos legislativos quanto em nossa atividade política cotidiana. Nossa posição e atuação no processo se moveu estritamente nos limites desse compromisso.
Em nossa opinião, a abstenção de 4 dos nossos 5 vereadores foi um erro ampliado pelo esforço de justificar esse posicionamento responsabilizando o trabalho desenvolvido pela vereadora Karen Santos, também militante do PSOL, que fez o relatório que embasou a cassação. Escrevemos essa nota com o intuito de expor nossa visão e fortalecer os laços da esquerda através do debate respeitoso e da disputa política justa e limpa.
1- Um processo regular, sem atropelos e sem manobras
Seguimos estritamente o Regimento Interno e o Código de Ética, com pleno respeito ao contraditório e à ampla defesa, inclusive com concessão de prazos ampliados ao vereador Gringo. Documentos apresentados fora do prazo pelo denunciante foram corretamente desconsiderados, a pedido da própria defesa, justamente para garantir a lisura do procedimento. Após entrega do Relatório e votação na Comissão de Ética, o processo seguiu para CCJ, etapa que não estava mais sob responsabilidade da Comissão de Ética. Não há qualquer margem para dúvida quanto à infração ética cometida pelo vereador Gringo, diante das provas robustas obtidas em investigações da Justiça do Trabalho. Tais provas demonstram claramente a existência de um grupo econômico familiar do qual Gringo faz parte e que mantém contrato vigente com o DMAE por meio da empresa SAFETY, o que resulta em conduta expressamente proibida aos vereadores, configurando um conflito de interesses evidente e inaceitável.
2- Coerência, Responsabilidade e Compromisso com o Interesse Público
Não temos qualquer ingenuidade quanto às motivações políticas de setores da base do governo ao votar pela cassação. Ainda assim, os fatos são incontornáveis. Sendo o relatório de nossa responsabilidade, deveríamos ignorar os indícios consistentes de corrupção ativa? Ou deveríamos fingir não ouvir a confissão do próprio vereador Gringo, que admitiu ter pago propina em 2015 para fraudar contrato com a administração pública? Por sermos oposição ao governo Melo, deveríamos normalizar ou acobertar corrupção? Essa lógica é insustentável e incoerente. Nossa posição é técnica, coerente e responsável. A corrupção não muda de natureza conforme o autor ou o alinhamento político.
3- Cassar o mandato de um réu confesso é bem diferente de perseguição política
É um grave equívoco rotular como “perseguição política” a responsabilização de um vereador que confessou seus crimes. Isso não protege a democracia, apenas tenta justificar a impunidade. O vereador Gringo jamais respondeu ao ponto central: por que uma empresa de sua família continuou recebendo recursos do DMAE até este ano, mesmo durante seu mandato? Além disso, reiteramos que há condenações de sua empresa na Justiça do Trabalho por desrespeito às leis trabalhistas, inclusive falta de pagamento de salários. Autoritarismo não é punir irregularidades comprovadas. Cassar um réu confesso é bem diferente das inúmeras perseguições políticas que a esquerda vem sofrendo em todos os níveis e nacionalmente, como são ilustrativos os casos dos companheiros e companheiras Glauber Braga, Fernanda Miranda, Renato Freitas, Brisa Bracchi, Professora Angela, Paula Nunes e tantas outras. Esse é um processo de acirramento da blindagem democrática que já está em curso e que deve ser combatido politicamente, não tendo relação alguma com a correta cassação do Gilvani o Gringo. Se algum parlamentar, independente de partido, confessar ou ficar provada sua culpa em um caso de corrupção, seu mandato deverá ser cassado.
4- Por um PSOL mais forte e verdadeiramente democrático
No calor dos acontecimentos fomos acusados de “falta de reunião”, acompanhada de uma cobrança inadequada sobre o papel da oposição no Comitê de Ética e da afirmação incorreta de que nosso mandato não procurou o partido para tratar do tema. Nosso partido possui uma dinâmica de vida interna bastante restrita, com pouquíssimas reuniões e debates coletivos, fato que é constatado e criticado por boa parte dos filiados e pela maioria da militância orgânica. Muitas vezes, a base e até mesmo as correntes minoritárias só ficam sabendo de decisões importantes pela mídia. De fato, e infelizmente, não tivemos o direito de debater a posição em uma instância ampla do partido, o que não significa que não conversamos com os demais parlamentares e com as correntes.
Os filiados do PSOL sabem que democracia e vida interna são reclamações históricas de diversas correntes do partido, que têm dificuldade de participar porque a direção não assegura práticas consistentes de democracia interna. As divergências sobre esse caso não abalam nossa participação e compromisso com o PSOL.
Desejamos honestamente que esse momento nos deixe lições e impulsione uma reavaliação da postura da direção aqui em Porto Alegre e no RS. Esperamos que daqui pra frente tenhamos mais espaços e instâncias legítimas e amplas para debatermos coletivamente a linha política e a atuação do partido.
O PSOL foi fundado a partir da constatação de que o PT abandonou o combate por transformações estruturais no país para se incorporar ao conjunto das instituições centradas na administração da crise do capital. Surgiu com a proposta de construir uma alternativa distinta, reunindo organizações, coletivos, personalidades e mandatos diversos para defender um programa e uma práxis anticapitalista, anti-imperialista, democrática e socialista. Isso não significava construir um partido em que as instâncias partidárias não funcionassem e que a militância se transformasse em seguidores de mandatos parlamentares sem espaços para elaboração coletiva. O erro dos quatro vereadores do PSOL de Porto Alegre é uma consequência do não funcionamento das instâncias partidárias na cidade e no estado, é a consequência do isolamento das bancadas do conjunto da militância, na medida em que o seu contato se restringe às respectivas correntes, ao trabalho dessas correntes e às redes sociais.
Essa dinâmica elimina a troca de opiniões, dificulta o entendimento dos posicionamentos e das suas nuances e empobrece a todos. Nosso objetivo não é desenvolver uma luta política estéril e fratricida, ampliando o erro, mas sim protestar contra os ataques direcionados à vereadora Karen Santos e chamar a militância do PSOL, os companheiros e companheiras das demais correntes, independentes, filiados e filiadas a refletir sobre a dinâmica do nosso partido, e apelar às forças majoritárias que garantam o funcionamento das instâncias partidárias, da base às cúpulas, no espírito dos princípios e objetivos que nortearam a criação do PSOL, partido que muitos dos que se organizam no Alicerce ajudaram a fundar e do qual nos orgulhamos de construir nas lutas do nosso povo por condições de vida digna, liberdade, direitos e democracia, contra a extrema direita e pelo socialismo.